Um neurocientista comprova, com base
numa pesquisa, o que a filosofia já sabia: o ócio estimula o cérebro a ser mais
criativo e inovador
Entrevista | 27/02/2014 05:55
Divulgação / VOCÊ S/A (Todos os direitos)
"Divulgando, apenas como LEITOR e a matéria se de ótima qualidade".
São Paulo - Para ter
uma vida mais equilibrada e feliz, é necessário diminuir a carga
de trabalho e incluir momentos de ócio na rotina. A teoria de
Domenico De Masi, sociólogo e autor de O Ócio Criativo
(Editora Sextante), já está bem disseminada desde 1995, ano
de lançamento de
Agora parece haver a
comprovação científica para a tese do italiano com o livro Auto-pilot: the Art
and Science of Doing Nothing ("Piloto automático: a arte e a ciência de
não fazer nada", numa tradução livre e sem edição no Brasil), de Andrew
Smart, neurocientista e pesquisador da Universidade de Nova York.
A partir de estudos
neurológicos, o autor mostra que fazer longas pausas é crucial para que o
cérebro estabeleça conexões que podem levar ao autoconhecimento e à criatividade. Nesta entrevista a
VOCÊ S/A, o cientista explica por que o ócio é tão importante para a saúde dos neurônios e
mostra por que a divagação deveria ser estimulada dentro das empresas.
VOCÊ S/A - Em seu livro, a imagem do piloto automático é usada para
mostrar que o cérebro é mais ativo quando descansamos. Por que isso ocorre?
Andrew Smart - Estudos de neurociência deixam claro que o cérebro
possui algumas regiões que têm mais atividade quando estão em repouso. Essas
áreas formam um circuito chamado default mode network (rede neural em modo
padrão, numa tradução livre). Simplificando, essa rede faria o papel do piloto
automático do cérebro.
Descobriu-se que a energia consumida pelo cérebro muda pouco de acordo
com as tarefas que executamos. Tanto faz se você está resolvendo uma equação ou
descansando. A variação da energia cerebral é de 5%. isso prova que o cérebro
não desliga quando descansamos, pelo contrário. Há conexões que só são
possíveis no repouso, cruciais para a saúde mental.
O piloto automático
se conecta a quase todas as áreas cerebrais, inclusive ao subconsciente. isso é
bom, porque é possível encontrar informações que fcam ocultas. O resultado é
que, ao repousar, a atividade cerebral proporciona insights inesperados e nos
torna mais criativos.
VOCÊ S/A - Dormir é uma maneira de acionar o piloto automático mental?
Andrew Smart - A atividade cerebral
durante o sono é um pouco diferente, e pesquisas mostram que o cérebro faz uma
limpeza quando dormimos. Mas a rede neural padrão é ativada em momentos de ócio.
O cérebro tem diversos níveis de atenção, e é necessário estimular essas
variações fcando sem fazer nada por algum tempo todos os dias.
Quando você tem uma
rotina que oscila entre os extremos mentais de sono profundo e atenção, o
cérebro sofre. Se você levanta e vai direto para o trabalho e quando chega em
casa estimula ainda mais sua mente ficando em frente à TV ou ao computador,
prejudica os processos cognitivos.
VOCÊ S/A - Há pessoas que ficam ansiosas quando não fazem nada. Por
quê?
Andrew Smart - Há uma reação
cerebral nos momentos de ócio: o efeito negativo. Isso acontece
porque o subconsciente pode trazer à tona informações ou pensamentos
que não são prazerosos, o que causa desconforto.
Outro ponto é o
sentimento de culpa que surge com o ócio. Estamos tão acostumados a
nos encher de atividades que, quando paramos, temos a sensação de que
estamos perdendo algo ou de que não estamos agindo como seria
esperado. Também não estamos acostumados a acessar o subconsciente e
achamos estranho deixar a mente vagar sem um objetivo. Esses fatores
podem gerar estresse.
VOCÊ S/A - Como mudar esse estado mental de estresse e atenção
constante?
Andrew Smart - Mudando o modo como
trabalhamos. Concordo com alguns pensadores, como Keynes (John
Maynard Keynes , economista britânico), que dizem que
deveríamos reduzir a jornada de trabalho para 4 horas.
VOCÊ S/A - Isso
seria possível mesmo com as empresas exigindo bons resultados e alta
produtividade?
Andrew Smart - Acredito que sim. Mesmo trabalhando mais de 8 horas, só há, em
média, 4 horas reais de produtividade. Isso é plausível, tendo em
vista o modo como o cérebro funciona: existem ciclos naturais de
atenção e desatenção. Meu ponto é que, trabalhando menos, os
profissionais teriam mais tempo livre para divagar e ser mais
criativos. E ter funcionários inovadores seria positivo para
as empresas.
Mas, quando há
tanta pressão pelo lucro, as empresas precisam forçar os funcionários
a ficar obcecados pelo trabalho para que
sobrevivam no mercado.
VOCÊ S/A - Por
que o ócio tem sido renegado ao longo das décadas?
Andrew Smart - Desde os gregos, há a crença de que não fazer nada é ruim. A
explicação é que ter tempo livre estimula as pessoas a questionar.
Além disso, minha impressão é que as pessoas não querem ser ociosas
porque têm medo de conhecer a si mesmas.
VOCÊ S/A - Então
o ócio é um caminho para se conhecer melhor?
Andrew Smart - Sim. Como a rede neural padrão se conecta ao subconsciente,
temos fashes de pensamentos obscuros. Essas informações que aparecem
só de vez em quando revelam quem somos de verdade.
VOCÊ S/A - É
possível transformar a sociedade da pressa na sociedade do ócio?
Andrew Smart - É um longo caminho, mas a ciência vai ajudar a lutar contra a
cultura da pressa. Cada vez mais surgirão provas de que o excesso de
trabalho e de agitação é prejudicial à saúde. Pense no que ocorreu
com o cigarro. Há 50 anos, todos fumavam — e não havia consciência
sobre os males do tabaco. A medicina se desenvolveu e mostrou que o
cigarro é mortal.
As evidências
foram cruciais para que as pessoas e os governos percebessem que
fumar é uma péssima ideia. Consequentemente, o número de fumantes
caiu no decorrer das décadas e continua a diminuir. Minha esperança é
que, um dia, o mundo entenda que trabalhar demais é tão perigoso
quanto fumar.