JB Vilhena
Presidente do MVC
Autor do Manual das Universidades Corporativas
Coordenador dos programas de Gestão Comercial da FGV
INSPIRAÇÕES ORIUNDAS DE UMA TREPADEIRA
Tenho duas grandes paixões na vida. Flores e música (na verdade
estou quase pronto para aumentar a lista, colocando “andar de
moto pelas estradas secundárias de Minas Gerais” como uma
terceira).
Recentemente uma experiência com plantas me permitiu uma curiosa
analogia com o mundo das consultorias. Esse é o tema que quero
comentar com você.
Em fevereiro finalmente terminei a reforma da casa em que moro,
localizada em uma pequena cidade do centro-sul mineiro, chamada
Oliveira. O projeto da arquiteta, que ficou uma “gracinha”,
previa a plantação de uma “trepadeira” na garagem, visando criar
ali uma espécie de parede verde.
Já de cara eu quis subverter a ideia, pensando em substituir a
trepadeira por um conjunto de vasos com samambaias. Felizmente
tive o bom senso de conversar com uma especialista no assunto,
que me explicou que as samambaias jamais resistiriam ao sol e
vento a que estariam expostas.
Como o argumento era convincente, perguntei que tipo de
trepadeira ela me aconselhava a plantar. Abrindo um lindo livro
sobre esse tipo de plantas, minha consultora mostrou-me uma, com
belas florezinhas amarelas. Explicou que a tal planta - chamada
popularmente de “Tamanco de Judia” - era muito resistente as
condições que estaria exposta e se ofereceu para encomendar uma
muda, cuidar dela enquanto fosse pequena – plantando-a em um
vaso apropriado – e depois colocá-la no lugar ideal para seu
desenvolvimento. Também sugeriu que eu colocasse uma espécie de
tela onde a planta deveria crescer. Isso facilitaria o processo
de construção da tal parede verde.
Acatei todas as recomendações e contratei o serviço da
especialista.
Cerca de cinco semanas depois, ela apareceu com um vaso bastante
grande, no qual sobressaía uma pequena folhagem, que parecia ter
sido visitada por alguma lagarta faminta. Ivone explicou que as
folhas não haviam sido “comidas”. Apenas haviam sofrido um pouco
pelo fato de serem poucas e estarem plantadas em um vaso
bastante adubado.
Hoje o pequeno ramo cresceu, já envolveu toda a tela e começa a
pender para o chão. Creio que em mais três meses terei a parede
que desejava.
E o que esta história tem a ver com o mundo das consultorias?
Em primeiro lugar, é muito comum que face ao conselho do
especialista, nós achemos que temos uma ideia melhor sobre o
assunto. Foi isso que aconteceu quando eu inicialmente pensei em
substituir a trepadeira por samambaias, disposto a ignorar o
conselho da arquiteta.
Quantas e quantas vezes uma organização despreza o conselho do
especialista que ela mesma contratou?
Recentemente passamos por isso junto a um grande cliente. A
empresa estava se preparando para um projeto que poderia
revolucionar sua forma de vender. Fomos contratados para
ajudá-la nesse esforço. Nossa primeira recomendação era
alicerçar a mudança sobre três pilares: detalhamento da
estratégia, aquisição de sistemas que pudessem suportar as novas
ações e permitisse um melhor controle de seus resultados,
capacitação dos envolvidos.
Nós defendíamos a tese que era preciso ter o detalhamento
preciso de tudo que seria necessário fazer, para depois colocar
a mão na massa. Mas os executivos da companhia estavam muito
preocupados em evidenciar sua política de “hands on”. Em
função disso acharam que a definição do software e sua
implantação deveriam ser feitas antes. Discordamos da decisão
demonstrando que se tratava, literalmente, de colocar o carro na
frente dos bois. Não fomos ouvidos. Resultado? Assustados com o
tamanho do investimento na compra de um possante software de CRM
(que nem sabiam se seria o mais indicado) o board da organização
decidiu adiar “sine die” todo o projeto.
Também é comum que acreditemos ser convincente o ponto de vista
de um especialista, mas, para economizar, decidamos “usar a
prata da casa” para por as coisas para andar. Eu teria feito
algo semelhante se decidisse comprar a muda, plantá-la e depois
tentar fazer com que crescesse.
Fico muito triste ao ver que, muitas vezes, ideias que tinham
tudo para dar certo literalmente “vão pelo ralo” por conta de
economias inexpressivas.
Nas minhas reflexões lembrei-me de um cliente que cerca de dois
anos atrás quis conhecer nossa metodologia de certificação para
profissionais da área comercial. Apresentamos a ele o projeto
que havíamos desenvolvido para a Telefônica Empresas e que hoje
foi institucionalizado para praticamente todas as áreas da
companhia. Tivemos mais algumas reuniões para explicar o “modus
operandi” para diversos membros da diretoria, que não
demoraram muito a afirmar que ali estava algo que eles vinham
procurando fazia muito tempo.
Passadas algumas semanas, nosso querido amigo nos disse que a
diretoria aprovara o projeto, mas decidira que ele deveria ser
integralmente desenvolvido e implementado com recursos internos.
Tentamos fazer ver que nossa expertise evitaria erros
desnecessários e consequente retrabalho. Também lembramos que o
desenvolvimento de um projeto desse tipo demanda disponibilidade
de mão de obra, que eles não pareciam ter. Deixamos claro que
nossa filosofia era de transferência de know-how, o que
permitiria que a companhia fizesse como hoje faz a Telefônica,
que mantém o projeto sem precisar mais de nós. Ele disse que
concordava, compreendia, mas nada podia fazer. Faz cerca de um
ano que o projeto não anda, mas seguramente foi gasto em sua
festa de lançamento mais do que custariam os nossos serviços.
Terminando minhas reflexões, fico pensando como algumas coisas
pequeninas acabam por se transformar em algo muito maior. Lembro
quando o Grupo Saint-Gobain nos convidou para participar de um
projeto de formação e desenvolvimento das áreas comerciais das
diversas empresas que compõem o conglomerado. O trabalho, que
começou como uma ação de treinamento vem frutificando e
ramificando. Hoje já registramos no nosso histórico de
relacionamento diversos trabalhos de treinamento e consultoria
conjuntos e temos orgulho de ter contribuído para que a
Quartzolit (uma das joias da coroa do Grupo) tenha sido
reconhecida como uma das melhores empresas para se trabalhar no
Brasil.
Sei que o mundo corporativo é assim mesmo, mas não posso deixar
de compartilhar com você os pensamentos que me vêm quando fico
olhando o belo jardim da entrada da minha casa.
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