A
melhor idéia, sem gente boa, "Não vai a lugar algum"
Texto extraído na íntegra do site www.endeavor.org.br
O
empresário Carlos Alberto Sicupira conta como se dedica atualmente ao que
muitas
vezes
não passa de platitude no jargão corporativo - a formação de pessoas
O empresário
Carlos Alberto Sicupira, um dos controladores da ABInBev e presidente do conselho de
administração da Lojas Americanas, não tem hoje escritório em nenhuma das duas grandes
empresas em que investe. Mas ele ainda faz questão de ocasionalmente circular, em
seu traje habitual - tênis, camisa e calça jeans -, entre os funcionários de
ambas as empresas. Uma dessas rondas deve acontecer na China, no final de
março, num encontro dos 300 principais executivos da cervejaria em todo o
mundo. Trata-se de uma chance valiosa, segundo ele, de
conhecê-los de uma só vez. Gente é uma de suas obsessões declaradas. Ao lado dos sócios
Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles, Sicupira deu sentido próprio a algo que muitas vezes não
passa de platitude no jargão corporativo. Aos 62 anos, ele dedica boa parte de seu tempo a
formar talentos em três ONGs - a Endeavor, que promove o empreendedorismo,
a Fundação Brava, que apoia projetos de gestão no setor público, e a Fundação Estudar,
que patrocina bolsas de estudo. Cada uma a seu modo, todas servem para o que
ele chama de "alavancar gente". Numa rara entrevista, concedida a
EXAME em São Paulo, Sicupira conta como faz isso acontecer.
Quanto
tempo o senhor dedica hoje a causas fora das companhias que controla?
Como não tenho
mais escritório em empresa alguma, tenho de arrumar mais o que fazer. Não consigo
parar de me meter em encrenca. Grande parte do meu tempo hoje é dedicada às causas
em que acredito - empreendedorismo, governos mais eficientes e educação. Estou sempre disponível
para todas elas, por isso minha dedicação fica meio difusa. As coisas acabam
muito interligadas. Se estou no governo, às vezes vejo uma oportunidade para a Endeavor. Na
Endeavor, vejo uma oportunidade para a Fundação Estudar.
Mas todas elas se baseiam no mesmo
princípio de alavancar pessoas. Meu papel é basicamente mostrar caminhos que já
tive. Na Endeavor, o senhor vem ajudando a formar uma rede de empresários e
executivos que se tornam mentores de empreendedores. Como isso funciona? Hoje,
temos 300 voluntários dedicados a ajudar os empreendedores. Alguns procuram a
Endeavor. Em outros casos, a gente faz o convite. É uma oportunidade única para
os empreendedores, já que a hora desses voluntários não está à venda por preço
nenhum. O Fabio Barbosa (presidente do banco Santander no Brasil) ou o Pedro
Passos (um dos controladores), da Natura, não vão alugar a hora deles para
ninguém. Mas eles estão ali disponíveis para atender essas empresas que estão
surgindo.
Tanto
nas empresas como nas ONGs, uma das marcas do senhor e de seus sócios é
colocar
gente muito nova em cargos de chefia. Por quê?
A gente acredita
que a pessoa é capaz de dar o próximo pulo com base no que ela fez até então e sobretudo
na pessoa que ela é. O Rodrigo (Teles) assumiu a diretoria-geral da Endeavor aos 28
anos. É preciso dar a chance às pessoas que querem fazer. Tem risco? Sim. Mas é
muito calculado. Risco muito maior é botar alguém que você tem certeza de que
não vai errar mas que também não vai fazer nada porque a forma mais fácil de
não errar é não fazer nada.
Em
sua trajetória o senhor também aprendeu muita coisa na fogueira?
A vida toda.
Trabalho desde os 14 anos de idade. Comecei com compra e venda de carros. Aos 17, pedi a meu
pai para me emancipar para comprar uma distribuidora (de títulos e valores) do Banco
Central. Vendi e, mais para a frente, comprei outra. Estudava à noite e trabalhava durante
o dia.
Quem
mais influenciou as suas decisões como empresário?
O Jorge Paulo
(Lemann) e o Sam Walton (fundador do Walmart) são as pessoas que mais me inspiraram.
O
senhor ainda busca novas influências?
Sempre. Todo ano a
Endeavor mundial monta uma visita, geralmente nos Estados Unidos. A última aconteceu
no Vale do Silício. Visito todo ano uma ou duas companhias que eu acho excepcionais em
alguma coisa para ver o que dá para aprender. É como a gente fez com o Sam Walton ou com
o Goldman Sachs. E com a própria Anheuser-Busch. Em 1991, o Marcel (Telles) foi
visitar a empresa e várias coisas que fizemos no Brasil foram totalmente
copiadas de lá. Que
companhias o senhor colocou em sua lista de visitas recentemente? Hoje existem algumas coisas tão
transformacionais no mundo que ninguém pode deixar de acompanhar. Passei um dia no
Google para entender como eles funcionam, há uns três anos. Voltei com uma porção de
ideias. Tenho interesse também na coreana Hyundai, que tem uma maneira criativa de
abordar o consumidor. No meio da crise, eles ofereceram um seguro para garantir que as prestações
fossem quitadas caso o comprador perdesse o emprego.
Na
formação de gente, o que é inato e o que se pode ensinar?
Ensinar vontade é
muito difícil. É uma característica inata, da mesma forma que você pode nascer com olho
verde ou azul. A Endeavor, por exemplo, não tenta transformar ninguém em empreendedor. A
ideia é mostrar a um empreendedor que ele pode fazer um negócio muito maior do que
estava pensando. A gente tem de alavancar a vontade que a pessoa tem. Disciplina dá para
ensinar. O que uma pessoa tem de saber? Não tem de saber nada. As pessoas valem pelo
que elas são capazes de fazer, e não por aquilo que elas conhecem. Algumas pessoas
sabem tudo, mas não conseguem transformar isso em nada.
Quanto
tempo o senhor se dedicou a formar gente durante toda a vida?
A vida toda. Só
faço isso. Gente é a pedra fundamental de tudo. A melhor ideia, sem gente boa, não vai a
lugar algum. A execução não vai ser boa e também vai parar de aparecer ideia boa. O pilar
básico de tudo é: gente boa, unida por um sonho comum, reconhecida e com oportunidade de
crescer.
A
valorização das pessoas é um daqueles discursos corporativos que muitas vezes
se
perdem
entre outras prioridades. Na correria para entregar resultados, dá tempo de
realmente
se preocupar com as pessoas?
É o contrário.
Você se preocupa com as pessoas e as pessoas vão transformar o resultado. Se você
se preocupar com o resultado, e não com as pessoas, o resultado vai acontecer
uma vez só. Se for diferente, você tem uma perpetuação de resultado. Durante o
ano inteiro, eu não pergunto a ninguém sobre o resultado. Minha preocupação é
como eu posso ajudá-los a fazer isso acontecer.
E
o que as empresas podem fazer para motivar as pessoas?
Não acho que se
deva motivar ninguém. A pessoa tem de ser automotivada. Senão, será preciso ter o
Silvio Santos o dia todo ao lado dela. As pessoas se sentem motivadas a
trabalhar se existe um ambiente em que possam se dar bem pessoal e
financeiramente. A vida é um pacote. Não adianta acreditar que basta alguém se
realizar no trabalho fazendo coisas importantes mas sem ganhar nada. Também não
adianta dar dinheiro e a pessoa não fazer algo que lhe interesse. É preciso ter
certeza de que ela vai se realizar ao fazer coisas grandes e reconhecê-la por
isso.
Numa
estrutura grande, como garantir que isso aconteça?
O grande desafio é
manter a chama acesa numa companhia muito grande. Tenho horror a companhias
grandes. A chance de uma companhia grande virar medíocre é enorme. Meu grande desafio é
impedir que isso aconteça. Para isso, tenho de conhecer as pessoas, estabelecer os
desafios. É preciso fomentar uma cultura que aceite esse tipo de profissional. Se prevalecer uma
cultura em que não se pode arriscar, as pessoas com esse perfil não ficam. E
então alguém do seu ramo vai acabar te passando.
Como
o senhor faz isso na prática?
Primeira coisa:
conhecendo as pessoas. Nos encontros de conselho, sempre busco jovens para fazer as
apresentações. Senão você fica vendo as mesmas caras a vida inteira. No fim de março
vou à China para uma reunião com todas as lideranças da ABI, durante quatro
dias, para trabalhar
juntos em diversos temas. Para mim é o momento mais importante. Vou ver as 300 principais
pessoas da companhia. Alguém me diz: "Dá uma olhada naquele cara
ali". Ou: "Aquele outro
é interessante". Chamo um deles para almoçar. É muito bom para ter certeza
de que a cultura está no lugar e para ter contato com todo mundo.
O
senhor diz que não dá para ensinar vontade a um profissional nem motivá-lo. Mas
como
é possível inspirar?
Exemplo é tudo.
Você tem de fazer o que você fala. Todo mundo está olhando o tempo todo para o líder de
uma organização. Não dá para falar uma coisa e fazer outra. Senão todo mundo vê
logo que se trata de um discurso de mentira. A gente, por exemplo, acredita que
uma vantagem é ter custos mais baixos. Nas viagens da companhia, todos ficam
nos mesmos hotéis. Todos os conselheiros seguem as mesmas regras que os demais
funcionários. Não tem essa de ficar num hotel melhor e viajar em primeira
classe. Se eu quero fazer isso, viajo no meu avião ou pago a passagem eu mesmo.
Isso é dar o exemplo.
É
muito comum a associação da capacidade de inspirar a um líder carismático. O
que o
senhor
acha sobre a importância do carisma?
Na minha definição
de boa liderança, a palavra carismático não aparece. Boa liderança é atingir o
resultado proposto com as pessoas certas fazendo as coisas certas. Prefiro o
líder que entrega ao líder que tem carisma. Ter um carisma louco pode ser muito
bom para você ter um programa de televisão ou ser político. Nas companhias,
você tem de procurar gente que vai entregar. Carisma num sentido messiânico, de
alguém com grande poder de convencimento, não garante nada. O desafio de
qualquer empresa é fazer tudo dar certo sem a necessidade de uma pessoa
específica estar lá, é institucionalizar as coisas.
O
que pode ser mais nocivo numa empresa?
Não ter cultura.
Qualquer agrupamento de pessoas gera uma cultura, um protocolo de comportamento.
Você sempre vai ter uma cultura, o problema é quando você não tem controle sobre
ela. O que você tem de fazer é desenhar uma de acordo com seus objetivos e
valores. Várias empresas têm valores escritos em algum lugar mas não têm cultura,
porque não associaram uma coisa a outra. Às vezes o empresário acha que a
companhia segue os mesmos valores que
ele, mas aquilo ali nunca foi dito para ninguém.
O
que move o senhor hoje?
Construir coisas
duradouras de excelência. Construir e institucionalizar. Fico feliz de saber
que a Endeavor, por exemplo, não depende de mim.
O
senhor e seus sócios sempre pregaram a máxima de que sonhar grande ou sonhar
pequeno
dá o mesmo trabalho. Hoje vocês estão à frente da maior cervejaria do mundo.
Vocês
esperavam chegar até aqui?
Muito mais (risos). O
sonho é grande mesmo.
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